O
caso de Alex Medeiros, de 8 anos, espancado até a morte pelo pai, Alex
André, de 35, em 17 de fevereiro, no Rio de Janeiro, trouxe à tona mais
um retrato de uma intolerância que não ocorre apenas nas ruas, mas,
também, dentro de casa. Em depoimento à polícia, o pai da criança disse
que bateu no filho para “dar um corretivo” porque ele tinha de “andar
como homem”. A atitude violenta de Alex se encaixa em um perfil de
violações que ocorrem Brasil afora. No último balanço disponível da
Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República sobre
violência homofóbica, com as denúncias feitas à pasta em 2012, os casos
de violação motivados pela orientação sexual e de gênero, em casa,
representam 38,63% dos registros, seguido pelas agressões na rua, com
30,67% do total de 3.084 queixas.
Ainda segundo o relatório, 61,47% das
violações ocorrem com pessoas de 12 a 29 anos. Alex estava abaixo dessa
faixa etária, mas ilustra os casos de violência com jovens em casa,
segundo especialistas. De acordo com o conselheiro tutelar Rodrigo
Coelho, Alex André disse, em depoimento à polícia, que batia no menino
porque era uma forma de corrigi-lo. O pai se incomodava com o fato de o
filho gostar de dança do ventre, de lavar louça e de não querer cortar o
cabelo. O homem declarou também que Alex era desobediente. “Pelo relato
familiar, era uma criança ‘rebelde’, que não respeitava os pais, mas o
que consta no relatório escolar da criança diz totalmente o contrário,
que ele era um menino inteligente, calmo, tranquilo”, disse ao Estado de
Minas.
Luiz Mott, antropólogo da Universidade
Federal da Bahia (Ufba) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), acredita
que a homofobia não tem retrocedido no Brasil e que faltam políticas
para educar a população sobre o tema. “Existe no imaginário coletivo do
machismo brasileiro essa pena de morte do filho homossexual”, diz. Já a
doutora em psicologia com atuação em estudos de gênero Tatiana Lionço
ressalta que, nesse caso, a violência corretiva para impedir que a
criança seja gay ou “mulherzinha” é praticada contra uma pessoa que
sequer consegue compreender o que ocorre à sua volta. “A criança não faz
ideia do que é ser um homem afeminado, por que seria inapropriado
brincar com certas coisas”, observa Tatiana.
Mott e Lionço concordam com a análise de
que o fato de a homofobia não ser tipificada como crime contribuiu para
o alastramento dos casos de violência. Desde 2001 tramitava no
Congresso Nacional o Projeto de Lei 122, que tornava inafiançável e
imprescritível o crime de discriminação de homossexuais. Mas, no fim do
ano passado, uma manobra do Senado fez com que o texto passasse a
tramitar com o novo Código Penal. Para ativistas e defensores do
projeto, isso representa uma perda de força do PL, que não tramitará
mais isoladamente. Outro retrocesso em termos de política pública, para
os especialistas, é o fato de o chamado “kit gay”, que continha material
didático-pedagógico sobre gênero – e que deveria ser distribuído nas
escolas –, ter sido barrado pela presidente Dilma Rousseff, em 2011.
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Crimimalização
O coordenador-geral de
Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos, Gustavo Bernardes,
também considera fundamental a criminalização da homofobia. “Não para
colocar alguém na cadeia, mas por uma questão pedagógica. É importante
que as pessoas saibam que o Estado não tolera nem compactua com essa
violência. A forma de mostrar isso é ter uma legislação que
criminalize”, diz. Segundo Bernardes, a Noruega, a Suécia e o Chile já
têm legislações a esse respeito.
O coordenador lembra que a expulsão de
casa ou o abandono por parte dos pais estão entre os tipos de violência
praticados. Segundo ele, a secretaria está buscando formas de
conscientizar a população a lidar com esses casos. “Há três anos o
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente abre uma parte específica
do edital para trabalhar com adolescentes LGBT. Mas não aparece
trabalho. O que queremos é sensibilizar pessoas e entidades para atuar
nessa área.”
Bernardes diz ainda que o Sistema
Nacional LGBT, que prevê a articulação de políticas com estados e
municípios, está sendo implementado. E há 17 termos de cooperação com
secretarias de segurança pública do país para preparar policiais e
fornecer atendimento adequado a vítimas de homofobia dentro e fora dos
presídios.
do em
por Júlia Chaib
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