Preconceito dificulta licença maternidade para pais e mães gays
Apesar
de a legislação garantir igualdade de direitos para casais homossexuais
e heterossexuais, empregadores e juízes ainda se deixam levar por
preconceitos na hora de conceder o benefício
Ambos moradores da cidade paulista de Agudos, o enfermeiro concursado Luciano Camelin
e o companheiro adotaram um bebê de quatro meses. Como qualquer criança
recém-chegada a um lar, o menino precisa de toda atenção dos pais. No
entanto, na última semana, a prefeitura local se negou a conceder para
Camelin à licença maternidade, alegando que a guarda do menino era
provisória e poderia ser revogada a qualquer momento. Aliás, esta
provisoriedade inicial é de praxe nas adoções, independentemente de os
adotantes serem homossexuais ou heterossexuais.
Procurada pela reportagem do iGay,
a prefeitura de Agudos, por meio de sua assessoria de comunicação,
confirmou ter negado o pedido e informou que o enfermeiro está afastado
do trabalho desde maio de 2013, incluindo neste período um concessão de
uma licença maternidade por outra criança que ele adotou. No total,
Camelin tem três filhos.
Arquivo pessoal
Rafael Gerhardt e Lucimar Quadros da Silva
tiveram que esperar mais de dois anos para obeter a licença maternidade
do filho João Vitor
Em vigor
desde o ano passado, a lei 12.873 garante que os casais gays tenham os
mesmos direitos que os heterossexuais quando têm ou adotam filhos, com
um dos cônjuges podendo obter a licença maternidade – que leva esse nome
mesmo quando se trata de pais. Assim, um dos (as) parceiros (as) pode
se afastar do trabalho por um período que pode ser de 120 ou 180 dias,
de acordo com as normas de cada empregador. Apesar disso, situações como
a da cidade Agudos continuam acontecendo.
“
Orientação sexual não é um limitador. Por lei, um casal
homossexual ou mesmo alguém solteiro tem os mesmos direitos de um
heterossexual (Luiz Kignel)
Especialista em Direito Familiar, o jurista Luiz Kignel
aponta as questões culturais como as causadoras destes problemas de
adoção por homossexuais ou casais gays. Desta forma, empregadores e
juízes ainda se deixam levar pelos próprios preconceitos ao tomar alguma
decisão. “Orientação sexual não é um limitador. Por lei, um casal
homossexual ou mesmo alguém solteiro tem os mesmos direitos de um
heterossexual”, reforça Kignel.
Nome proeminente na defesa dos direitos da população LGBT, a ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias chama atenção para o fato de a legislação se concentrar nos pais e não no direito dos filhos.
“Os
adultos, solteiros ou casados estão protegidos por resolução do Supremo
Tribunal Federal. Porém, com essa série de empecilhos quem acaba
desprotegida é a criança”, avalia Maria Berenice, que propõe uma mudança
legal. “Insisto na Licença Natalidade, em que ambos os pais tenham
direito a 15 dias. Depois, eles escolhem quem fica mais três meses e
meio com o filho. É um benefício do filho e não dos pais”,
“
Insisto na Licença Natalidade, em que ambos os pais tenham
direito a 15 dias. Depois, eles escolhem quem fica mais três meses e
meio com o filho. É um benefício do filho e não dos pais (Maria Berenice
Dias)
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
As
situações mais complicadas de obtenção de licença maternidade se dão
nos casos de reprodução assistida, de acordo com Maria Berenice. “Apesar
de o Conselho Federal de Medicina afirmar que lésbicas podem realizar a
fertilização assistida, há o problema do registro, onde apenas a mãe
que gestou tem direitos legais sob a criança, mesmo que o material
genético seja da mãe que não gestou”, aponta a jurista.
Num
caso como o do exemplo citado por Maria Berenice, a mãe lésbica que não
gestou a criança precisa entrar com um processo na Justiça, que costuma
levar um período para ser decidido, deixando o filho parcialmente
desprotegido.
Divulgação
Maria Berenice Dias defende mudança na legislação das licenças de maternidade e paternidade
“Algumas vezes esbarramos no preconceito dos
juízes. Alguns até mandaram fazer exame de DNA para tentar provar que
houve troca de material genético. Mesmo que fosse esse o caso, a verdade
é que não precisa de vínculo biológico para ser mãe”, constata a
jurista.
Quando casais de homens optam pela técnica de
reprodução assistida, com um óvulo doado numa barriga solidária, a
licença paternidade é de cinco dias corridos. Para Maria Berenice, essa
diferença entre homens e mulheres fere princípios básicos da
Constituição. “É uma intervenção indevida na vida das pessoas o Estado
dizer quem vai cuidar do filho, se é o homem, a mulher, e se são dois
homens. Apenas um deles vai poder fazer isso por cinco dias apenas?”,
questiona a ex-desembargadora.
MAIS DE DOIS ANOS DE ESPERA
Juntos há 19 anos, o bancário Lucimar Quadros da Silva, 48, e o consultor de vendas Rafael Gerhardt, 38, tiveram que esperar dois anos e quatro meses para conseguir obter a licença maternidade, para poder cuidar do pequeno João Vitor,4.
“
Mesmo acontecendo tão tarde, a licença foi uma conquista.
Fizemos tudo no âmbito administrativo, não foi nada judicial. É direito
de toda a criança esse cuidado, está no Estatuto da Criança e do
Adolescente e conseguimos dar esse direito ao João
“Levamos o João pra casa logo na primeira visita,
estávamos na fila de adoção para crianças de até quatro anos. Foi tudo
muito rápido, então tivemos que colocar ele em uma escolinha logo que
chegou”, recorda Lucimar, que solicitou a licença maternidade
diretamente no INSS. “O pedido foi negado logo de cara. Depois de um
ano, com um recurso, conseguimos a licença. Porém, ela foi revogada em
Brasília.”
Em uma nova tentativa, o casal recorreu à
sede do órgão, na capital federal. Mais de um ano depois, a licença foi
enfim concedida. “Fizemos por videoconferência, uma das primeiras em
Brasília e lembro que fomos muito aplaudidos, foi algo inédito”, conta
Lucimar, se emocionando ao lembrar-se do momento tão importante.
“Mesmo
acontecendo tão tarde, ela foi uma conquista. Fizemos tudo no âmbito
administrativo, não foi nada judicial. É direito de toda a criança esse
cuidado, está no Estatuto da Criança e do Adolescente e conseguimos dar
esse direito ao João”, conclui Lucimar.
FONTE:IGAY
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