De homílias até confidências, o papa Francisco vai imprimindo sua
marca. Esse pontífice argentino, que está vivendo uma coabitação inédita
com seu antecessor, Bento 16, não pretende revolucionar a doutrina da
Igreja católica. Mas ele quer deixar mais "positiva" sua mensagem,
passar a imagem de uma Igreja que não surja cada vez mais com
excomunhões, proibições e arbitrariedades, mas que acolha, escute e
respeite os indivíduos em sua diversidade. É esse o sentido das
declarações que o papa fez sobre os homossexuais, na segunda-feira (29),
dentro do avião que o levava embora do Brasil.
Durante uma conversa de muitas interrupções com os 70 jornalistas
credenciados a bordo, Francisco respondeu a uma pergunta sobre o "lobby
gay". "O problema não é ter essa tendência", enfatizou o soberano
pontífice, "e sim fazer lobby. É o problema mais grave, a meu ver. Se
uma pessoa é gay e procura o Senhor com boa vontade, quem sou eu para
julgá-la?" Brincando com o fato de que ele "ainda não viu ninguém no
Vaticano com 'gay' escrito na carteira de identidade", o papa lembrou
que "o catecismo da Igreja católica diz muito bem que não devemos
marginalizar essas pessoas e que elas devem ser integradas à sociedade".
À primeira vista, não há nada de fundamentalmente novo nas declarações
do bispo de Roma. Sua posição se alinha à "pastoral sobre as pessoas
homossexuais" apresentada no dia 1º de outubro de 1986 pela congregação
para a doutrina da fé, sob o comando de João Paulo 2º e do futuro Bento
16. "É preciso lamentar firmemente", afirmava esse texto, "o fato de que
os homossexuais tenham sido e ainda sejam alvo de expressões malévolas e
de gestos violentos. Reações do tipo, onde quer que apareçam, merecem a
condenação dos pastores da Igreja." "A própria dignidade de qualquer
pessoa deve sempre ser respeitada nas palavras, nas ações e nas
legislações", dizia o texto.
No entanto, a pastoral de 1986 ordenava que os gays "levassem uma vida
casta", condenando "o caráter imoral da atividade homossexual". "Ainda
que ela em si não seja um pecado", ela proclamava, "a inclinação
particular da pessoa homossexual constitui uma tendência, mais ou menos
forte, para um comportamento intrinsicamente mau do ponto de vista
moral."
Desse catecismo, Francisco manteve essencialmente a ideia de
acolhimento e de integração. Embora tenha lembrado a oposição da Igreja
ao casamento gay, ao tomar o cuidado de não enfatizá-lo, ele não fez
nenhuma condenação moral aos homossexuais, distinguindo-se de Bento 16,
que, em 2005, fechou as portas dos seminários aos homens que
apresentassem "tendências homossexuais".
Ainda que não haja uma ruptura doutrinal, existe uma inflexão, uma
mudança de tom, saudada por diversas associações gays americanas. Da
mesma maneira, o papa pode ter fechado as portas para a ordenação de
mulheres, mas ele manifestou um desejo de que elas tenham um papel mais
ativo na Igreja. E ele deu início a uma abertura em relação ao casamento
de divorciados. Quatro meses depois do início de seu pontificado,
Francisco sugere uma renovação. Pode-se desejar que ele vá mais longe,
mas é um bom presságio.
Tradutor: Lana Lim
UOL

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