A data, comemorada em 29 de janeiro, evidencia a queixa da população T, de que mesmo o movimento LGBT tem pesos e medidas diferentes para tratar casos de violência contra gays e aqueles que vitimam travestis e transexuais

Nas redes sociais do joven, Kaique posa ao lado da drag queen Dimmy Kieer, o Dicesar do BBB 10
Kaique Augusto dos Santos caiu
do viaduto 9 de Julho, no centro de São Paulo, na madrugada de 11 de
janeiro. No dia 17, o Largo do Arouche, na mesma região central da
cidade, foi ponto de concentração de manifestantes que protestaram contra a morte brutal do jovem. Com cartazes e faixas, o grupo de cerca de 200 pessoas pedia que o caso fosse esclarecido pelas autoridades.
No dia 21 de janeiro, a cabeleireira Isabel Cristina Batista, mãe de Kaique, afirmou em entrevista coletiva
que não acredita mais na hipótese levantada inicialmente de que ele
teria sido vítima de um ataque homofóbico. Pedindo desculpas aos
policiais, acatou a versão de que seu filho cometera suicídio.
A transexual paraibana Renata Peron,
de 36 anos, aplaude a iniciativa do movimento LGBT, da imprensa e da
população que se solidarizou com a morte do menino gay e pressionou para
que o caso fosse solucionado rapidamente. Mas questiona: por que o
movimento não dá a mesma importância para as ocorrências violentas que
vitimam travestis e transexuais? “O movimento LGBT não se preocupa e não
dá tanta visibilidade para a grande maioria dos casos de violência que
atingem travestis e transexuais”, afirma ela. “Não estou contra o
movimento e a repercussão nacional do caso Kaique, que saiu até no
'Jornal Nacional'. Só quero que ele dê a mesma importância para nós.”

Renata Peron, transexual paraibana, é cantora
Ela própria foi vítima de um crime de ódio. Em
2007, na Praça da República, foi atacada por um grupo de nove homens e
levou uma facada. “Fui agredida simplesmente pela intolerância desses
caras e perdi um rim. Fui atrás de uma solução, resgatei as imagens da
câmera de segurança, mas estava escuro, a câmera filmou o grupo, mas não
especificamente o agressor. Não tinha como reconhecê-lo e ficou por
isso mesmo.”
Nascida
na Paraíba, mas criada no interior da Bahia, Renata nunca pôde usar o
figurino feminino enquanto viveu no sertão nordestino. “No lugar em que
eu vivia, se vestir como mulher era perigoso, muita gente tomava pedrada
e morria por causa disso. Eu só fui fazer isso quando vim para São
Paulo, antes eu fingia ser uma pessoa que não era”, revela a cantora.
"A GENTE MORRE AOS MONTES"
Em
São Paulo ela encontrou condição de assumir sua verdadeira identidade
sexual, mas ainda vê muita violência à sua volta. “A gente morre aos
montes e não vê solução alguma e nem reivindicação. Não desperta o mesmo
interesse de quando tem um gay na jogada. Vocês da imprensa são
testemunha disso. Quando é com travesti nem se comenta que foi
assassinada, que foi violentada”, reclama. “Essas pessoas não têm pai e
nem mãe que exigem uma solução, assim como o Kaique tinha a mãe dele que
foi à luta. Se não tem cobrança, a polícia faz vista grossa também e
não dá nenhuma justificativa. Morreu, morreu, pronto, acabou. Cabe a
nós, do movimento, fazer essa cobrança. Mas em certos casos não temos
resposta nem do poder público e nem do movimento. Enquanto militante,
isso me revolta e me frustra. Por que com uns é de um jeito e com outros
não? As diferenças têm que cair por terra.”
UNS BONS DRINK
A
travesti Luisa Marilac, aquela que ficou famosa depois do video dos
"bons drink", declarou ao iGay que a violência é uma constante em sua
vida. Sofreu abuso sexual aos oito anos de idade, ainda em sua cidade,
em Minas Gerais. Anos mais tarde, já em São Paulo, foi esfaqueada por um
desconhecido em um bar, e ainda foi maltratada pelo médico que a
atendeu na emergência. "Na mesa de cirurgia, ele falava: ‘Se você
estivesse dentro de casa, isso não teria acontecido’”. E mesmo assim ela
ainda pode se considerar sortuda. "Perdi as contas de quantas amigas eu
enterrei."
“
O travesti toma muito mais porrada que o gay. O gay, quando quer
ser homem, ele se esforça e 'passa' homem. Eu sou o que sou 24 horas
por dia." (Luisa Marilac)
O preconceito, diz ela, é muito pior para travestis
do que para gays. "O travesti toma muito mais porrada que o gay. O gay,
quando quer ser homem, ele se esforça e 'passa' homem. O travesti já
não, é obrigado a suportar o preconceito, a violência, não tem como se
esconder. Eu não me escondo de ninguém, sou o que sou 24 horas por dia."
A violência, ela conta, vem na forma de maltrato, xingamento, pedradas.
"Essa semana mesmo eu fui agredida, tentaram me roubar, me jogaram
pedra. Estou com as pernas inchadas. A polícia não faz nada pelos
travestis, eles são os primeiros a demonstrar preconceito."

Luisa Marilac: "Eu não me escondo de ninguém, sou que sou 24 horas por dia"
“
Essas pessoas não têm pai e nem mãe que exigem uma solução,
assim como o Kaique tinha a mãe dele, que foi à luta. Se não tem
cobrança, a polícia faz vista grossa." (Renata Peron)
DIA DA VISIBILIDADE TRANS

Dia 29 de janeiro é o dia da visibilidade trans
Em 29 de janeiro se comemora o Dia Nacional da
Visibilidade Trans. Renata está engajada em organizar e participar de
vários eventos relacionados à data. “O Brasil é um país que dá um passo
para frente e dois para trás”, analisa ela. “Melhora numa questão e
piora em outra.” Um passo adiante teriam sido as leis que defendem a
comunidade LGBT, como a 10.948, de 2001, que visa proteger os “cidadãos
homossexuais, bissexuais e transgêneros” de “ação violenta,
constrangedora, intimidatória ou vexatória”, e punir todo tipo de
discriminação. Mais recentemente, o projeto de lei que propôs a adoção
do nome social das travestis e transexuais em documentos oficiais no
Estado de São Paulo.
E sinais dos “dois passos para
trás” seriam os ataques às travestis e às transexuais e a falta de uma
defesa mais contundente dos direitos humanos dessa população. O problema
começa já na escola, onde a incompreensão sofrida por parte de
professores e colegas faz com que as travestis e transexuais, muitas
ainda em fase de transição, deixem de frequentar cedo as aulas. Como
consequência, elas têm dificuldade de se encaixar no mercado de
trabalho, e ficam vulneráveis à exploração sexual e à violência. Segundo
o Grupo Gay da Bahia, foram documentados 128 assassinatos de travestis
no Brasil em 2012.
FONTE:IG
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