domingo, 20 de abril de 2014

Jovem do sexo neutro: “Não sabia se eu era homem ou mulher”

Novo gênero surge como opção para identificar as pessoas que não se encaixam nem com o masculino nem com o feminino. Jovem paulistano Purin conta como se descobriu um neutro

No início deste mês de abril, a Suprema Corte da Austrália reconheceu os ‘neutros’, pessoas que não se identificam nem como homem nem como mulher. A Justiça australiana tomou essa decisão depois de ser acionada por Norrie, que nasceu homem e fez uma cirurgia de mudança de sexo para se tornar mulher, mas que não conseguiu se encaixar no escaninho ‘feminino’. Do outro lado do hemisfério, na Índia, o Supremo Tribunal reconheceu na última terça-feira (15) a existência de um terceiro gênero só para os transexuais.
Junto a outras sentenças de tribunais ao redor do globo, essas duas decisões evidenciam que o padrão binário feminino e masculino já não dá conta de encaixar as identidades sexuais existentes. A professora de inglês Purin, 20, percebeu este desencaixe logo na infância.

“Quando eu era menor, lembro-me de pentear os cabelos da minha mãe e pensar que eu queria ser mulher porque só elas tinham cabelos grandes, roupas bonitas e coloridas. Conforme fui crescendo, descobri que homens também podiam fazer essas coisas, mas eram vistos pela sociedade de uma forma pejorativa, como um homem tentando ser mulher. Tudo passava pela minha cabeça em meio a uma confusão mental sem igual, porque não sabia se eu era homem ou mulher”, relata Purin, que nasceu biologicamente com o sexo masculino.
Comecei a querer ser tratada pelo pronome feminino. Modifiquei meu nome nas redes sociais. Muitas coisas começaram a se acalmar dentro de mim (Purin)
Purin teve o insight de que era alguém do gênero neutro quando se deparou com a chamada Teoria Queer. A corrente de pensamento originada nos Estados Unidos defende que a orientação sexual e a identidade sexual ou de gênero são construções sociais e não apenas condições biológicas. A doutrina assinala ainda a existência da heteronormatividade, que é a imposição de padrões de comportamento pela maioria heterossexual.
“Comecei a querer ser tratada pelo pronome feminino. Modifiquei meu nome nas redes sociais. Muitas coisas começaram a se acalmar dentro de mim”, conta a professora, que adotou este nome por ele não poder ser identificado com nenhum gênero. Mas ao falar de si, Purin usa pronomes e artigos femininos.
Norrie conseguiu na Justiça o direito de ter em seus documentos o gênero neutro .“24 horas por dia, sete dias por semana, a minha aparência, voz e imagem dizem que o pronome masculino é o correto para mim. Mas eu não me identifico com isso, por isso uso o feminino. Porque além de muitas pessoas não saberem como utilizar pronomes neutros, elas ainda insistem em querer me tratar como homem”, justifica Purin, que em breve vai diluir mais um padrão de gênero, atuando como drag queen.SEXO COM HOMENS E MULHERESCoordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, o psiquiatra Alexandre Saadeh acredita que o gênero neutro vai abrir mais possibilidades para a sexualidade.“A pessoa gênero neutro acabaria, de certa forma, se liberando nas questões sexuais, fazendo sexo com homens e mulheres. Porque ela seria mais aberta a questões de gênero”, diz Saadeh, oferecendo uma hipótese sobre o tema. A pessoa gênero neutro acabaria, de certa forma, se liberando nas questões sexuais, fazendo sexo com homens e mulheres (Alexandre Saadeh)Purin, por exemplo, se interessa sexualmente por homens e também por mulheres que tenham uma identidade visual masculina. Assim, a aparência torna-se preponderante no desejo da professora de inglês.“Comecei a ver que não é só o homem que tem aquela imagem masculina. Que mulheres também têm, que pessoas não-binárias também têm. Então me identifico como androsexual, que nada mais é do que a atração pela imagem masculina”, esclarece a professora.EXISTE MESMO UM GÊNERO NEUTRO?Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII, o psicanalista Pedro Paulo Ceccarelli entende que antes de qualquer mudança nos padrões de gênero, é preciso tornar mais clara para todos a definição deste termo. O gênero é uma construção social, onde homem e mulher têm papeis distintos, não tem nada a ver com macho e fêmea, que é algo biológico (Pedro Paulo Ceccarelli )“O gênero é uma construção social, onde homem e mulher têm papeis distintos, não tem nada a ver com macho e fêmea, que é algo biológico. Esse entendimento é recente, algo que é debatido há apenas 20 anos”, pondera Ceccarelli.Um das primeiras a abordar a questão no Brasil, a psicanalista e pensadora Maria Rita Kehl aponta que o gênero adapta suas exigências às normas da cultura. Desta forma, os neutros seriam uma consequência disto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como exemplo, Maria Rita fala da mudança da percepção da homossexualidade na sociedade ao longo dos anos. “O que até meados do século 20, no entender de André Gide, seria ‘um desejo que não pode dizer seu nome’, hoje leva um milhão de pessoas às ruas para exibir, com alegria, o que há menos de cem anos era uma ‘anormalidade’”, pontua a psicanalista, autora do livro "A Mínima Diferença" (Imago).
FONTE: IGAY
são as mesmas: neurose, perversão, psicose. Surgem novos sintomas, novas expressões de desejo, novos ideais e novas proibições. E, numa cultura permissiva como a nossa, novos destinos para a satisfação pulsional e a sublimação”, pondera Maria Rita.
Para Ceccarelli, ainda não é possível cravar que o neutro é um novo gênero sexual, já que o debate sobre a questão ainda está se iniciando. 
“Falar em gênero neutro é complicado porque é algo em franca construção, não existe nada além do binário, é preciso uma evolução no debate. Qualquer atitude subversiva no sentido de se identificar com o pronome oposto ou se vestir com outro gênero é apenas uma mudança de papel e não a criação de um novo gênero que conta com seu próprio pronome neutro”, opina o psicanalista.
A partir da sua experiência clínica com pacientes neutros que atendeu, Sadeeh levanta outra questão. “Eles podem até existir. Mas quem chega até o ambulatório com esta questão de gênero vem acompanhado de vários outros problemas e distúrbios. É preciso um debate maior sobre a questão”, recomenda o psiquiatra.

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