
“Essa história de que o Rio é uma cidade Gay Friendly é só para as pessoas que tem dinheiro e que vem de fora, porque os daqui, que moram em favelas, que não tem dinheiro, são agredidas e são expulsas dos locais. Gays e lésbicas perdem direitos. As trans perdem todos os direitos”
“Vocês não sabem como é difícil as coisas mais simples e banais para nós. Nenhum dia é como um outro dia qualquer. Hoje eu uso a letra P de Pessoa, porque a letra T também é uma definição dessa sociedade com a qual a gente briga. Não fomos nós, travestis e transexuais, quem definiu isso”
À frente do Coletivo Trans Revolução e uma das organizadoras do Beijaço ou do Beijo Ostentação, uma maneira de protestar contra a discriminação e o preconceito contra lésbicas, gays, travestis e transexuais, Indianara Siqueira também é uma das responsáveis pelo site Tem Local (www.temlocal.com.br) que mapeia casos de discriminação, preconceito e violência (LGBTfobia), onde qualquer pessoa que sofrer uma agressão pode comunicar o site e a partir daí se organiza um protesto coletivo. Indianara é uma das indicadas para a eleição que vai eleger os novos integrantes do Conselho Estadual LGBT RJ neste mês de julho, foi assessora parlamentar do deputado federal Jean Wyllys/PSOL/RJ e integra a Casa Nuvem, localizada na Lapa, Centro do Rio. Nos 450 anos do Rio, Indianara não poupa críticas e não foge de uma boa polêmica, falando sobre o mandato de Jean, da organização da Parada LGBT do Rio, do protesto da travesti crucificada na Parada de São Paulo e do “braço armado do Estado”.
Trans Revolução: o que é?
O Trans Revolução é um Coletivo idealizado pela Gisele Meireles, que foi presidente do Grupo Pella Vida (ONG do Rio de Janeiro que milita pela causa LGBT, com bastante foco na defesa da saúde dessa população), quando promovia um chá com travestis, para discutir os problemas das travestis. Fui convidada para uma reunião em 2009, na época em que eu estava como coordenadora do Grupo Arco-Íris (ONG do Rio de Janeiro que organiza a Parada LGBT), e me senti muito mais acolhida no Trans Revolução e então fui ficando e estou até hoje no Coletivo. A Gisele morreu em 2013 e o Coletivo passou por uma reestruturação. Na época da Gisele, eu cuidava de tudo com ela, e o Coletivo teve visibilidade nacional, funcionava muito bem. Fui indicada para coordenar o Coletivo após a morte da Gisele, mas eu não queria aceitar, estava sobrecarregada. A maioria me disse que não haveria outra pessoa para tocar o Coletivo. Então eu assumi o Coletivo e tenho recebido ajuda de muitos amigos daqui, inclusive do Marco Vilar, que é coordenador do Pella Vida há muitos anos, e de outros amigos, e das meninas, que foram se politizando ainda mais com o tempo. Eles me ajudam muito na parte técnica. Nós nos ajudamos no combate nas ruas.
O Trans Revolução é representado através do Grupo Pella Vida?
Isso, o Coletivo funciona dentro do Grupo Pella Vida, que, na prática, representa oficialmente o Coletivo. A ideia era o Coletivo ter uma diretoria, assim como uma ONG, mesmo que não fosse registrado como tal, porque isso burocratiza tudo, tem vantagens e desvantagens.
Alguns coletivos não querem se equiparar ao modelo social que vivemos que normatiza tudo. É o caso do Trans Revolução?
Não, para nós está bom assim, está funcionando, está indo. O Coletivo vai discutir novamente essa questão, e se as pessoas decidirem que sim, se tiver essa necessidade cuidaremos disso, de abrir uma ONG. Então, como numa ONG normal, já que nós elegemos uma diretoria, então eu sou a presidente do Trans Revolução.
Qual é a estrutura e a extensão do Coletivo, hoje? Atinge Rio, São Paulo….
Antes era só no Rio, mas eu e a Gisele levávamos o debate e começamos a ser convidadas para eventos regionais e nacionais e hoje vamos para todo o país e temos uma boa militância nas faculdades, nos coletivos em geral, mas, não naqueles coletivos que estão no poder. Eu me recuso a estar em mesas de instituições ou de uma mesa de debates como a Superdir, porque vejo que não funciona, dependendo do representante que está lá, na mesa, prefiro não ir, porque vão falar sobre coisas que na prática não acontecem, trazer dados, números…
Você acredita que essas instâncias de poder estão distantes da realidade?
Com certeza, mas com certeza, estão completamente focados em verbas, em projetos e que na verdade não são realizados.
Os projetos oficiais não chegam na base social?
São projetos “afinados”. Tem a prestação de contas, normalmente, mas na verdade o dinheiro dos projetos é para manter as ONGs. As verbas mantêm o cargo, o espaço onde funcionam; gostam de estar do lado do governo, sempre, do estado, do município. Eu vejo que não está acontecendo. Como vou ficar sorrindo com uma presidente (da República) que se recusa a lançar a educação da diversidade nas escolas? Cabral, Paes, você vê que na realidade não funciona e que todos fazem parte de uma “milícia”. Acho hipócrita as pessoas se cooptarem pelos governos.
Mas será que a oficialidade não é uma maneira de progredir com a militância também?
Não. É preciso cortar na própria carne, é preciso manter sempre o caráter combativo. É uma hipocrisia. Você bate no governo. Quando o governo chama, se silencia porque se está ganhando por isso e aí se tem visibilidade. Meu problema quando fui assessora parlamentar foi exatamente esse.
Você foi assessora parlamentar do deputado Jean.
Isso, do Jean (Jean Wyllys, deputado federal PSOL/RJ). Quando eu via que me tolhia, que eu não estava de acordo e que não era aquilo que eu havia imaginado, eu pedi demissão, quando tentaram me tolher.
O Jean Wyllys é uma referência para o movimento LGBT.
Quando pedi demissão, não aceitaram. Depois, com a troca de e-mails mal-educados que enviei para o Jean, então acabaram aceitando minha demissão. Mas de qualquer modo eu já tinha dito que não voltaria em 2015 (refere-se à reeleição de Jean como deputado federal, ano passado). Minha saída foi intencional. Eu não fui até a porta de ninguém pedir emprego. Vivo muito bem do meu corpo e sou muito feliz sendo puta. Então eu disse: vocês foram na minha porta e eu vou deixar bem claro com vocês que não vou aceitar tolhimento, não vou aceitar que me digam como eu devo me vestir ou o que eu devo dizer, ou o que eu posso ou não escrever no Facebook. Eu disse: não, não vou aceitar.
Mas será que o jogo democrático não se dá nisso, em se tentar manter uma relação com o poder ou se constituir enquanto poder?
Não. O poder tem que escutar o lado de cá. A democracia funciona dessa maneira. Ditadura é o contrário, é o poder se impor. E é o que acontece, o que está acontecendo. Quem está no poder tem de vir do lado de cá e não o contrário. Os movimentos sociais não podem ser obrigados a seguir o que um governo determinou. O governo tem que seguir orientação dos movimentos sociais para então criar políticas públicas. Assim que deve funcionar uma democracia. O poder não pode controlar sua fala, seu corpo, sua maneira de ser, principalmente quando já sabia como era. Por isso quando eu digo que não bati na porta de ninguém, vieram bater na minha. Eu não conseguia apoio parlamentar para promover os debates que considero fundamental e que já fazia antes de ir para lá.
“Tem Local” na Marcha da Diversidade 2015 em Copacabana (divulgação)
Esse é o principal foco do Trans Revolução, promover o debate?Nosso principal foco é reinserir as pessoas que queiram ser reinseridas na sociedade ou prepará-las para que elas estejam prontas quando decidirem fazer parte dessa sociedade podre, hipócrita, machista, homofóbica, transfóbica, cheia de fobias, sem tolher ninguém, nem seu corpo, nem nada de alguma forma. O Trans Revolução é muito aberto nesse sentido. Eu me sinto muito bem fora da sociedade e luto contra ela. O ideal seria criar uma nova sociedade, onde as pessoas realmente tivessem total liberdade, que a diversidade fizesse parte de tudo. Por isso criamos cursos, agora nós temos o Preparanem, um preparatório para os LGBTs que queiram fazer o Enem e que não tem condições de pagar um curso. Todos os professores são voluntários e os cursos duram quatro meses, com todas as matérias, as disciplinas. Em outubro, antes do Enem, fazemos um simulado e depois teremos cursos de inglês, espanhol, informática. Eu, por exemplo, não quero fazer parte dessa sociedade.
A que pessoas, especificamente, você se refere como de fora da sociedade?
A todas as pessoas trans, porque estão à margem da sociedade, porque elas perdem todos os seus direitos civis. Gays e lésbicas perdem direitos, as trans perdem todos os direitos, não tem direito nem ao próprio nome e a prostituição é uma única opção para elas, ou terão que depender de família, de subempregos onde terão que ter uma aparência ou ambígua ou se vestirem com roupas masculinas e se manterem completamente descaracterizadas, e tudo isso é uma forma de agressão, então são pessoas completamente destruídas.
Mas e se durante a reinserção, uma pessoa trans for sugerida a vestir um terno, por exemplo?
Fazemos exatamente o contrário. A gente empodera ela para que ela converse e mostre o motivo para não aceitar tal agressão. Já tivemos um caso em que o chefe, além de tudo, era um evangélico fundamentalista e foi muito complicado. Damos o total apoio, orientamos para pôr na justiça, a pedir indenização, a não aceitar esse tipo de agressão.
O Trans Revolução ajuda diretamente nesse trabalho, vai conversar com um patrão, por exemplo?
Mandamos carta, e-mail, e temos uma assessoria jurídica voluntária, temos advogados e advogadas que podem ser acionados a qualquer momento.
O Trans Revolução se faz através de voluntários?
Sim, completamente.
E qual a relação com a Casa Nuvem?
A Casa Nuvem é um conjunto de associados. Eu sou associada à Casa Nuvem. É uma espécie de “maçonaria”, mas não é uma sociedade secreta (risos). As pessoas confundem a Casa Nuvem como um ponto de cultura, por exemplo. As despesas são rateadas e os associados usam o espaço seja para ativismo, seja para dar uma entrevista como faço agora, ou trazem sua arte, enfim, é um espaço, uma casa, para ser a casa de cada um dos associados, além das pessoas que vêm para prestigiar algo que aconteça aqui.
Voltando para o Trans Revolução. São realizados encontros periódicos, locais, regionais, estaduais e nacionais? Desses encontros se redige um documento, uma carta final?
Sim, fazemos vários encontros, mas a formação é feita todo dia. Quando nos inscrevemos num evento ou somos convidados, um de nós nos representa ou até mesmo eu envio alguém para um evento para trocar experiência e conhecer o evento que se realiza.
Quem pode participar ou ser voluntário?
Qualquer um pode, LGBT ou não. Temos um encontro mensal, sempre na última sexta-feira do mês, às 18h na sede do Pella Vida na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, ou em casos excepcionais, como um feriado, a reunião acontece aqui na Casa Nuvem.
O Trans Revolução participa da Parada LGBT do Rio? As Paradas do Orgulho LGBT ainda são o principal meio de diálogo, de manifesto e de visibilidade?
O Trans Revolução participa da Parada como qualquer coletivo. Eu fui colaboradora voluntária da Parada, como coordenadora, por algum tempo e era muito organizada e as pessoas eram ouvidas, realmente. E eram todos voluntários, a obrigação era apenas querer estar ali, num momento político, mas também num momento para se divertir. Não precisava ser algo pesado. Mas antes da Parada de Copacabana que começou em 1995, já tinha a Marcha da Diversidade Sexual, com a Giovana Baby, quando ela fundou o Grupo Astral em 1993 e fez o 1º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais, ano que se realizou a 1ª Marcha da Diversidade Sexual no Centro do Rio, onde sempre acontecia. A Parada de Copacabana começava do Leme e ia para o Posto 5. Eu participei no ano em que a Ilga esteve no Rio. Nesse ano aconteceu o 3º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais, antecedendo a Parada. Em 1996 aconteceu a 4ª Marcha da Diversidade Sexual, ou seja, em 1995, já tinha acontecido três Marchas da Diversidade Sexual. A Ilga, é uma organização internacional, assim como a ABGLT, que agrega as organizações de gays e lésbicas do mundo todo, mas foi muita briga para conseguir agregar as travestis e as transexuais, e até hoje eles não aceitam que passe a se chamar ILGAT. Eles têm uma Secretaria Trans, mas não a letra T na ILGA.
A letra T tem sido acrescentada gradualmente, de modo geral.
Eu já deixei de acrescentar, hoje eu uso a letra P de Pessoa. Porque a letra T também é uma definição dessa sociedade com a qual a gente briga, não fomos nós, travestis e transexuais quem definiu. Na verdade, a única coisa que nós aceitamos para definir são os termos suigênero e transgênero. Que o mundo seja definido assim. Mas é outro binarismo que eu contesto. O que é ser mulher e o que é ser homem? São definições, mas que em algum determinado momento do mundo isso não existiu, éramos apenas pessoas, então, que voltemos a ser apenas pessoas, sem definições, sem orientações…
Então… Você se definiria….
Uma pessoa, pessoa de peito e pau. Eu sou definida como mulher pelo que o outro vê, porque minha aparência física é o que é definido como mulher, mas isso é a definição do outro, apenas, eu transformei meu corpo na imagem que eu queria, naquilo que eu queria transformar. Se isso é a definição de um corpo feminino, de um corpo de mulher…. Mas aí, dirão “ela não é tão mulher assim”, porque uma mulher não pode ter pau e um homem não pode ter peito, então são definições, e eu espero que essas definições caiam, quero viver para ver essas definições caírem um dia.


Protesto contra a “cura gay” em Brasília (divulgação)
Como é ser trans,no Rio? Como o Rio de Janeiro trata as trans, ou seja, as pessoas, nesses 450 anos?Depende. Você é uma deusa e ao mesmo tempo o próprio cliente pode ser seu algoz. Mas os principais agressores das travestis e das transexuais ainda é o braço armado do Estado.
Verificamos um processo de retirada das travestis da Glória, por exemplo.
Sim, aconteceu uma higienização por causa da Copa do Mundo e agora deve acontecer ainda mais por causa das Olimpíadas. Enquanto objeto de desejo sexual do outro, você é deusa, depois daquele instante, querem se desfazer de você e se tiver algum empecilho isso pode custar a vida da trans. Isso acontece muito, as pessoas são muito violentadas. Essa história de que o Rio é uma cidade Gay Friendly é só para as pessoas que tem dinheiro e que vem de fora, porque os daqui, que moram em favelas, que não tem dinheiro, são agredidas, são expulsas dos locais. O dono e os frequentadores do Bar Brasil em Laranjeiras, por exemplo, jogavam copos e agrediam os gays que estavam ali na praça. Foi quando nasceu o Beijo Ostentação, o Beijo na Praça, e nós criamos o Movimento Tem Local. Criamos um site, onde as pessoas denunciam onde acontece uma agressão e aí nós vamos ao local, fazemos uma manifestação. Num bar em Botafogo, sofremos agressão, quando meninas lésbicas e bissexuais foram assediadas, xingadas e fomos fazer uma manifestação e fomos agredidos lá, na manifestação.
Num bar ali no começo de Botafogo, não é?
Isso, no Duranos. Depois marcamos e fizemos uma manifestação bem marcante lá. Fomos numa outra em Nilópolis, num outro caso de agressão, fomos para a praça. Queremos isso, empoderar as pessoas para que elas possam reagir e saber que nós estamos com elas. Teve outra manifestação num bar em Nova Iguaçu com mais de 2 mil pessoas, vamos realizar outra na Praça da Bandeira, onde aconteceu outra agressão de homolesbobitransfobia.
Ainda estamos vivendo a repercussão do protesto durante a Parada LGBT de São Paulo, onde a travesti veio crucificada, com repercussão nacional e os evangélicos promovendo ações judiciais ou junto aos legislativos locais, visando impedir manifestações parecidas ou até mesmo as próprias Paradas LGBT.
E eles agrediram uma criança de 11 anos por ser candomblecista, né.
Qual sua avaliação sobre o protesto na Paulista e sobre essa situação dada?
Na realidade existe um equívoco. Ela não usou um símbolo religioso para atacar uma religião. Ela usou o símbolo para mostrar que as travestis e as transexuais são crucificadas todos os dias né, assim como os gays e as lésbicas. Ela teve problemas até com o próprio movimento, alguns disseram que ela não representaria todo o movimento. Ela não desrespeitou uma religião. O que eles não aceitam é que uma trans tenha estado ali naquele lugar. Neymar já foi capa de revista crucificado, Madonna, entre outros e não aconteceu a mesma polêmica. Com ela, é por ser uma trans, e eles se sentiram agredidos enquanto na verdade ela não agrediu, ela não xingou, não ofendeu, não queimou o símbolo. Ela fez menos, até. E o fato de ela se definir como homossexual e ter na placa LGBT e dizerem que ela não os representaria, eu quero dizer que o que a pessoa diz da sua vida, da sua orientação sexual, ou da sua identidade de gênero, como ela se identifica, a mim não muda minha vida, então, que ela se identifique como quiser, como gay, como homossexual, como homem de peito ou como homem gay. Isso cabe a ela. O que eu não posso é usar esses argumentos para atacar e descaracterizar ela e o protesto e me unir aos algozes para agredi-la também.
Pessoas do próprio movimento de esquerda, do movimento progressista, incluindo LGBTs, disseram que ela buscou vantagem pessoal.
Mas todos tiram vantagens! Porque é uma trans, né? Todos os gestores tiram vantagem pessoal. Ali é uma trans tirando, né, isso não pode? Já me reclamaram do Léo Áquila que mudou todo o rosto, toda a aparência e continuou se definindo como Léo, como homem gay. E eu digo: e daí? Que que isso muda na minha vida? Depois veio a polêmica com o Laerte, o cartunista. O importante é cada um estar bem, estar feliz. Ninguém, nenhum LGBT tem que sofrer, por exemplo, ser agredido, para poder agir e falar. Não vejo dessa maneira. Reprimir uma identidade de gênero ou uma orientação é muito difícil, tem que ter muita coragem para deixar a própria felicidade de lado. Quem decide assumir e se torna infeliz por isso, ou quem reprime e também fica infeliz, também merece respeito, admiração. Temos que nos unirmos na luta. Como se define, não importa. Claro que temos as questões políticas, aliás, dizem que temos que nos definir para conseguir políticas públicas, mas as políticas públicas têm que ser para todos. Dizem que se definir apenas enquanto pessoa, pode impedir que políticas públicas sejam direcionadas especificamente para travestis e transexuais, mas eu não vejo no que isso impede, e não deveria impedir, porque tem que valer tudo para todos.
O Brasil tem melhorado no tratamento aos LGBTs?
Diziam na época de Juscelino que o país avançaria 50 anos em cinco. Para mim tem regredido. São 12 anos de governo de esquerda, então em 10 anos era para ter avançado 100 anos! O Brasil não evoluiu, evoluiu em alguns aspectos, mas se priorizou outra vez os empresários, a classe alta, média alta… Não existe uma educação inclusiva que envolva a diversidade toda. Dinheiro foi gasto, mas não se realizou. Enquanto vários países avançaram o Brasil regrediu em direitos humanos e da população LGBT.
O Grupo Arco-Íris anunciou que encerraria as atividades, deixariam de atender na sede. O que você acha da situação das ONGs?
A situação é difícil. A situação do Arco-Íris eu não sei, prefiro não comentar. Falaram que não realizariam a Parada. Nós fizemos a semana LGBT desde o dia 25 de junho com uma mostra de filmes aqui na Casa Nuvem e no Pella Vida e no dia 28 fizemos a Marcha pelos 45 anos de Stonewall, a Marcha da Revolta, em Copacabana, do posto cinco ao Leme, pelo Dia do Orgulho LGBT, organizada pelos coletivos que integram o Beijo Ostentação, o Beijo na Praça. O Arco-íris diz que não tem dinheiro para manter a sede, para fazer a Parada, que vão ter que mudar, enfim, acho que precisa administrar melhor o dinheiro que entra.
A prefeitura de São Paulo conseguiu que a Parada LGBT não dependa apenas de uma entidade, mas de um coletivo.
Lá existe uma associação para realizar e que agrega vários coletivos, entidades.
Seria uma receita para o Rio?
Já era para ser assim aqui há muito tempo.
O que trava esse processo?
As pessoas querem monopolizar, né. Monopolizar verbas, o próprio nome, e isso é um erro. Porque, então, se o Arco-Íris acabar, a Parada acabaria também? Então nós preferimos fazer nossa parte, nossa Marcha e eles façam a deles e a gente colabora, se conseguirmos, se nos deixarem, ou simplesmente a gente vai lá. Temos problemas na distribuição de pulseiras para os carros. O Júlio (Júlio Moreira, ex-presidente do Arco-Íris) já chegou a dizer que no carro das trans não podia subir namorados, maridos, acompanhantes, porque somos problemáticas, tiramos o peito para fora, fumamos maconha. Eu pergunto: isso acontece apenas no carro das trans? Então essa transfobia existe no próprio movimento que organiza a Parada, e é muito latente e sempre me incomodou. Eu sou a pessoa que mais mostra o peito e, numa Parada, eu me lembro, nesse dia eu estava vestida, eu subi no carro das trans e uma amiga, a Poliana, estava com o peito de fora e o Júlio me disse que eu pedisse a ela que cobrisse o peito porque não queria aquele tipo de atitude no trio. Eu disse: você vem dizer isso para mim? Eu acho é linda, respondi, tem mais mesmo é que mostrar, é que botar para fora! Mas ela se sentiu oprimida com tudo aquilo, e isso numa Parada LGBT!
No Trio da Militância da Parada LGBT em São Paulo, aconteceu algo parecido. Um rapaz tirou a camisa e pediram que vestisse, porque teriam que mostrar um perfil mais sério da militância.
Um perfil limpinho, higienizado! Vai nu para o carro!!! Não oprimam os corpos das pessoas! Estamos numa Parada falando de liberdade de corpos! E as pessoas querendo oprimir! A roupa que vestimos é uma maneira de nos travestirmos, o natural é a nudez. Não queremos nos higienizar, ficarmos igual aos heterossexuais! Temos os fundamentalistas religiosos, mas os fundamentalistas LGBTs também! Querem tudo limpinho, o casamento….. Nós temos nossas pautas! Nossas pautas são outras! O casamento para ter direitos civis é ótimo, mas para quê casar, de terninho, vestidinho, aquela festinha idiota, adotar filhos, a família margarina, enquanto nós temos uma sexualidade completamente livre, explosiva? Ah, não! Aí casam higienizados e vão trepar num dark room, e publicamente dizem: meu marido, sou fiel, e vão para a orgia! Eu não! Eu e meu marido fazemos swing, troca de casais, temos relacionamento aberto e isso não nos impede que nossos direitos sejam respeitados!!! Não tem nada a ver uma coisa com a outra! Sexualidade, o que você faz dela, não tem nada a ver com conquistar direitos civis!!! Aliás, sexualidade é um direito civil, um direito de ser, de fazer, então eles são muito opressores, infelizmente. Por isso nós consideramos o movimento racista, porque se apoderaram de Stonewall, apagaram as Trans. Aí, Luiz Mott (do Grupo Gay da Bahia) vem dizer que as trans não estavam ali em Los Angeles! Para mim, ele é outro silenciador, com todo respeito à história dele, mas é um gay que não sabe, que não tem propriedade para falar das trans, mesmo que tenha travestis históricas lá na associação, ele não tem empoderamento para falar dessa causa trans. São homens, brancos, gays, que querem silenciar o movimento.
Você quer que o Estado processe você. É o seu meio de defender a causa?
Eles se recusam.


Marcha da Diversidade 2015 em Copacabana (divulgação)
Fale mais sobre isso.Na verdade, eu faço o manifesto com o peito de fora, já que eu tenho aparência de mulher e tenho peito e a lei diz que eu não sou mulher, então, se eu digo que sou mulher, me declaro mulher tem muitos anos, e insistem em dizer que não, que sou homem e que legalmente sou homem, então, com documento masculino, eu tenho o direito de andar com o peito de fora como todos os homens andam!
E se a PM vê você com o peito de fora…
Eu sou detida todas as vezes e liberada em seguida. Quando chega a julgamento, eles não querem julgar a questão porque, julgar a questão seria o Estado, através de um tribunal, reconhecer ou que sou homem ou que sou mulher. Meus advogados chegam, sou liberada, vai para audiência e eles arquivam. Tive uma audiência marcada, outra adiada, agora vou para a terceira.
O que eles dizem no momento da audiência?
Arquivam. Não dizem. Na terceira vez que será em setembro, vou entrar com uma ação na justiça obrigando o Estado a me processar, a me julgar. Quero que julguem, decidam a questão. Eles vão ser obrigados a decidir, já que eles decidem tudo, rotulam tudo.
Você começou com seu protesto pessoal faz tempo.
Comecei em 95, na Parada, no Leme, quando a Giovana Baby, num trio, falou para eu pôr o peito para fora, porque peito para fora é sinônimo de liberdade e foi então a primeira a vez que botei o peito para fora. Vou entrar com uma ação contra o Estado para que sejam retirados o gênero, o sexo dos meus documentos também. Não quero mais que haja marcação masculina ou feminina. Quero que conste apenas o nome, só o nome, e vou pedir a inclusão de Indianara nos meus documentos, mas também não quero que seja retirado o Sérgio (nome de registro civil), quero que seja Indianara Sérgio Siqueira, porque esse é meu histórico de vida e não vejo problema nenhum, acho um direito você usar um nome contrário daquele que recebeu e eu vou incluir Indianara, porque não acho estranho que Sérgio esteja ali, acho estranho que Indianara não esteja. Quero os dois, e retirar a marcação de sexo porque as pessoas têm suas genitálias e sofremos uma castração antes da adolescência em que seu corpo tem que ser normatizado, nós temos que incluir as pessoas.
Então qualquer documento oficial deveria constar apenas o nome?
Sim, assim como RG e o CPF. Com meu RG em mãos, você teria que me tocar para saber que sexo eu tenho, se for para definir quem eu sou pela minha genitália, teriam que me fazer exame de toque a todo o momento, e isso é um absurdo!
Como a PM aborda você?
As femininas se recusam a fazer a abordagem, então os policias masculinos é que tem que fazer, porque aí, nesse momento, sou homem porque tenho uma genitália, e quando mostro o peito o que sou?
E a questão dos banheiros…
Na sua casa tem banheiro masculino e feminino? Nem nos ônibus nem em aviões, agora alguns começam a ter, então por qual motivo ter em escolas, restaurantes e etc? Não é uma agressão aquelas ufas! nas ruas onde só os homens utilizam? É tudo tão sem lógica! Fazem coisas completamente malucas e nós é que somos as transtornadas? Somos loucas exatamente porque nos libertamos deles! É por isso, porque quebramos as regras!!!
FONTE:BOLG DO CONSTAT
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