O quinto mutirão de retificação de registro civil para pessoas transexuais e travestis aconteceu na última sexta-feira (26) em Porto Alegre, organizado pelo grupo G8-Generalizando – Grupo de Direitos Sexuais e de Gênero da UFRGS, em parceria com a ONG Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul e com o NUPSEX – Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero da UFRGS. O projeto “Direito à Identidade: Viva Seu Nome” funciona desde 2013, quando houve o primeiro mutirão, e nesta edição protocolou processos para 15 pessoas terem seu nome civil de registro correspondente a sua identificação.
O ato começou no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS, onde pessoas que já fizeram a retificação falaram da importância desta mudança e membros dos grupos organizadores explicaram como funciona o processo, contando um histórico desde o primeiro mutirão. Em seguida, os processos foram protocolados no Fórum Central, após uma marcha para promover a visibilidade do tema. “A demanda surgiu quando, no G8, conversamos com a Igualdade e perguntamos qual era a maior demanda, disseram que era essa e começamos a organizar os processos”, conta Luisa Stern, advogada do G8 e ativista transexual.
O grupo, que faz parte do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS, elabora gratuitamente pareceres psicológicos ou sociológicos e encaminha os documentos das pessoas interessadas, em um processo que dura cerca de dois meses e, ao chegar no Fórum, não tem tempo previsto para ser analisado. A ideia da realização do mutirão serve para politizar e trazer visibilidade às pautas das pessoas transexuais e à importância da retificação.
Luísa contou que, na primeira edição — realizada em 2013, no Dia da Visibilidade Trans, 23 de janeiro — houve uma repercussão muito grande, que fez com que alguns apoiadores tivessem que esperar na parte de fora do Fórum, e os processos tiveram resultados muito rápidos. “Alguns foram aprovados em uma semana, enquanto os outros demoraram menos de um mês”, narrou.
Desde então, foram realizados mutirões nos dias 17 de maio de 2013, 29 de janeiro de 2014 e 29 de janeiro de 2015. Já a data deste último foi escolhida pela proximidade com o Dia do Orgulho LGBT, comemorado neste domingo (28) em função da revolta de Stonewall, acontecida em Nova York em 1969. Na época, a polícia costumava ir a locais de público LGBT e bater nos frequentadores; neste dia, os gays, lésbicas, travestis e transexuais se revoltaram contra os policiais e começaram uma série de embates. Até hoje, a data é comemorada e usada como dia para diversas paradas de orgulho pelo mundo.
Parecer X Laudo
O Judiciário normalmente exige que seja realizado um laudo psiquiátrico ou psicológico, atestando que a pessoa requerente é mesmo transexual e teria transtorno de identidade de gênero. O G8 e grupos parceiros, por outro lado, preferem despatologizar a questão, na tentativa de afirmar que a transexualidade não deve ser considerada uma doença. “Eles exigem um laudo psicológico, mas encontramos uma maneira de não utilizar o laudo, porque dá a ideia de patologia. Então elaboramos pareceres psicológicos ou sociológicos, que contam a história da pessoa e trazem a questão social, de que a identidade de gênero é uma construção”, explicou a integrante do grupo Manuela Guimarães Gomes.

Luísa
(D) afirmou que o RS está à frente do resto do país; Marcelly contou
que resistiu a trocar o nome | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Mas, pelo menos em Porto Alegre, já não é mais preciso realizar tratamento hormonal e nem cirurgia de readequação genital para conseguir a retificação civil. Uma das exigências ainda é que haja depoimentos de amigos e conhecidos, que “atestem” que a pessoa realmente é transexual. Já para que seja trocado o gênero nos documentos (o que só é necessário na certidão de nascimento e passaporte, visto que esta informação não consta na carteira de identidade), há mais exigências. Mesmo assim, o Estado está à frente do resto do país, onde não é tão comum que os pedidos sejam aprovados, segundo Luisa.
Fim do constrangimento
Além da questão de se sentir representada pelos próprios documentos, a pessoa transexual que muda o registro também sente o alívio do fim de constrangimentos que aconteciam quando era chamada pelo nome com o qual não se identifica. Marcelly Malta, presidente da ONG Igualdade e militante histórica pelo direito das travestis e transexuais no estado e no país, conta que achava “muito complicado” trocar o nome com sua idade, mas o fez por insistência de amigos da ONG Somos. “Quem sempre mandou no meu corpo fui eu. Não queremos precisar de laudos e de psicólogos”, afirmou ela, que se identifica como travesti e foi a primeira pessoa no Estado a conseguir trocar o nome tendo essa identidade.
Mélanie Focques, uma das pessoas que protocolou sua retificação nesta sexta-feira (26), não disfarçava a expectativa. “Faz muita falta ter o nome, tenho várias coisas burocráticas para resolver que não consigo por isso. E o constrangimento é a pior coisa, parece que às vezes as pessoas falam o nome [antigo] de propósito, só para desrespeitar”, lamenta.
A retificação fez diferença na vida de Renata Fontoura, que realizou o processo no primeiro mutirão, em 2013. “É muito importante ter a identidade de acordo com o que tu sabes que tu és. Desde pequena eu sabia que era mulher”, afirmou. Para ela, a troca “melhora a vida em tudo”, pois gera autoconfiança e evita constrangimentos. “Dá mais coragem para enfrentar a sociedade”, resumiu.
FONTE: BRASIL 21
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